Patrick Granja
Mesmo depois da retirada das tropas do exército do morro da Providência em agosto de 2008, — responsáveis pelo sequestro e assassinato de três jovens moradores no mês anterior (Ver AND 44) — moradores da comunidade continuam sofrendo diariamente com a repressão policial, que desconhece limites e faz de trabalhadores e crianças constantes vitimas dos crimes do Estado.
Desde janeiro deste ano, policiais sob o comando do capitão Zuma da Polícia Militar, a frente do Gpae (Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais), promovem uma onda de terror contra moradores da comunidade, já massacrados por meses de opressão depois que tropas do exército ocuparam a comunidade para dar suporte às obras do Projeto Cimento Social — uma obra eleitoreira e de fachada, criada por Marcelo Crivella.
Por lá, tornaram-se comuns todos os dias tiroteios, mortes, invasões de propriedades e diversos outros abusos cometidos por policiais.
Sidney Ferreira mora no morro da Providência desde que nasceu, ficou cego em 1989 quando tinha 13 anos de idade, vítima de um tiro disparado por policiais. Ele é músico profissional, casado e tem três filhas ainda crianças e conta que a sua situação, assim como a de todos os moradores é de total exílio e opressão. Crianças não podem ir à escola, trabalhadores não podem sair pela manhã para ir ao serviço e a partir da 20h, ninguém sai de casa.
— Eles [Polícia Militar] mataram um garoto de dezenove anos. No domingo eu já estava arrumado para ir ao teatro quando tudo aconteceu. Acabou que ninguém pode sair de casa porque, além de tudo, eles ainda atiraram no transformador que atende a favela. Por fim ficou tudo sem luz. Há um mês teve um confronto na porta da minha casa e uma granada destruiu o meu portão, sem contar com o meu bar. Depois do tiroteio quando eu fui abrir para trabalhar tinha vários PMs dentro do bar. Furaram minha geladeira, roubaram biscoito, refresco. Deram um tiro que atravessou a parede da casa da minha mãe e ainda acertou na mesa de madeira. A bala ainda está em cima da mesa — conta indignado.
Sidney também conta que a estratégia dos policiais para não serem denunciados pelos moradores é deslocar efetivo de batalhões distantes para as operações, que não o batalhão local, referência para a população no sentido de denunciar abusos cometidos dentro da comunidade.
— O problema é que estão vindo policiais de outros batalhões. Do 18º, do 16º, policiais que não são daqui, que vêm de fora, só pra aterrorizar o povo, que vai fazer reclamação no 5º BPM, que é o batalhão da área, e não encontram os PMs que cometem abuso. Eles vêm aqui drogados, com estado emocional alterado, chamando todo mundo de maconheiro, colocando a mão nos bolsos, xingando e ainda tem o lance de invasão de propriedade, que não aconteceu só comigo.
Outros PMs já são conhecidos pela população, o que não diminui o medo de quem mora na comunidade, já que a maioria deles é conhecida por matar sem distinção, invadindo casas e agredindo moradores.
— Tem um PM conhecido como Nazista, que anda com uns PMs que já mataram muito aqui no morro, eles ficaram um tempo fora daqui e agora voltaram. Outro dia eles abordaram eu e meu irmão, xingando a gente e chamando meu irmão, que teve que deixar a bolsa do trabalho pra trás, pois senão eles atirariam no meu irmão com certeza. Eles vêm aqui totalmente alterados. O maior medo do povo aqui é o fato de a cada operação mudarem os policiais envolvidos, porque eles acabam não sabendo distinguir quem é quem e o risco de balearem um trabalhador que está saindo de casa fica grande — relata.
Como acontece em quase todos os bairros pobres do Rio de Janeiro, crianças deixam de estudar, homens e mulheres deixam de trabalhar e todos trancam-se dentro de suas casas temendo uma abordagem desse tipo, ou a possibilidade de entrarem na linha de tiro, tudo com o pretexto de combater o tráfico de drogas, mas que na verdade é um mecanismo de opressão contra o povo pobre, para aterrorizá-lo e arrefecer seu potencial de reação e organização, que especificamente na Providência, já demonstrou ser muito forte.
— Por causa disso ninguém mais vai pra rua por aqui. Criança fica sem ir pra escola, isso quando os professores não prendem as crianças no colégio e ligam pra casa pedindo pra gente ir buscar. Têm gente que sai a noite pra ir trabalhar e não pode. Outro dia eu tinha um show importante pra fazer e fiquei preso dentro de casa sem nem ter luz. Minha casa está cheia de buracos de bala. Quem tem que sair muito cedo, como meu irmão, também fica sem trabalhar ou chega atrasado. E nós sabemos que nada disso tem a ver com tráfico. É tudo pra deixar a gente com o rabo entre as pernas, quietos. Principalmente depois que a população daqui se organizou e colocou o exército pra correr, depois que eles fizeram aquelas barbaridades com a garotada do morro — conta Sidney, mostrando conhecer bem o atual quadro de intensa criminalização da pobreza, promovido pelo Estado.
— O povo aqui está oprimido contra a parede, sem o direito de viver sua vida, que já é pobre. Porque ninguém é poupado, todo mundo é esculachado. Sem contar com o fato de que se morre alguém, logicamente eles vão dizer que era traficante. Nas abordagens eles não deixam nem você falar. Já vêm agredindo verbalmente, segurando pelo pescoço. Até eu, mesmo cego, já tomei coronhada, já tive que deixar PM vasculhar a minha casa, com um monte de criança dentro — denuncia Sidney.