Hugo R C Souza
O tempo passa, e a percepção que fica é a de que o povo participa cada vez menos das festas de fim de ano à moda burguesa, com “tantos estrondos, cornetas e fogos de artifício, tantas guirlandas de focos de cores, tantos perus inocentes degolados e tantas angústias de dinheiro que ultrapassam nossos recursos reais”, nas palavras do escritor colombiano Gabriel García Márquez, em texto no qual critica os “Natais pervertidos” da América Latina.
De fato, as luzinhas natalinas parecem cada vez mais escassas, talvez não nos prédios públicos onde mandam os gerentes do velho Estado, talvez não nos postes ou nas praças, mas certamente nas casas dos trabalhadores brasileiros, neste ano especialmente castigados pela crise. Os projetos demagógicos que as elites promovem quando o ano vai chegando ao fim, como o Natal Sem Fome, vão sucumbindo à sua própria ineficácia, minguando, sendo desmascarados. Afinal, eles pressupõem uma solidariedade de calendário e de cestas básicas, aquela que a burguesia inventou e que mais uma vez foi apregoada ao longo deste último período natalino, que nada tem a ver com a solidariedade de classe que os povos trabalhadores do mundo precisam fomentar entre si.
Na Itália, o “espírito de Natal” das classes dominantes, por assim dizer, apareceu de cara limpa no município de Coccaglio. No último mês de dezembro, a administração fascista desta cidade localizada no norte do país transalpino colocou em marcha uma operação batizada de “White Christmas” (Natal Branco), cujo objetivo não foi outro senão limpar a cidade de imigrantes “extracomunitários”, o que na prática significa latinoamericanos, africanos e asiáticos. A operação xenófoba consistiu no seguinte: até o dia de Natal a polícia bateu na porta de cerca de 400 imigrantes cujos vistos de permanência venceriam em menos de seis meses para verificar se eles haviam tomado providências para solicitar a renovação. Os que não puderam provar que já haviam tomado as providências que as autoridades resolveram exigir tiveram seus vistos revogados automaticamente.
Na época, o ministro do Interior da administração Silvio Berlusconi, Roberto Maroni, visitou a cidade vizinha de Brescia para inaugurar um centro de detenção e expulsão de imigrantes – mais um – e não só elogiou a iniciativa do prefeito de Coccaglio, como também não se fez de rogado ao afirmar que, na Itália, o caso desta pequena cidade é a regra e não a exceção. "A operação White Christmas foi realizada em outras cidades com outros nomes e sem levantar o mesmo tipo de clamor", disse ele.
Voltando ao Brasil, a passagem de ano também foi objeto de muita falsificação, como de praxe, com as pirotecnias de toda ordem simulando uma grande festa e escamoteando o sofrimento do povo. Mas o jornal O Globo, órgão semi-oficial da reação, começou 2010 com especial esmero na contra-propaganda enganosa. Na edição do dia 1° de janeiro, na capa, logo acima de uma grande foto dos fogos estourando no céu de Copacabana, O Globo estampou a manchete “O réveillon da pacificação”, e logo abaixo completou: “Aplaudidos pela multidão, asfalto e morro celebram a paz na chegada de 2010”.
É o velho matutino antipovo da família Marinho aplaudindo, ele próprio, a feroz política de repressão e controle das classes populares que vem sendo levada a cabo pela administração Cabral no Rio de Janeiro a título de “pacificação” das favelas da Zona Sul carioca, além de tentar, mais uma vez, vender o peixe das elites sobre a questão dos conflitos sociais nas grandes cidades: a mentira de que o tráfico de drogas é o único problema das chamadas “comunidades carentes”, e que os traficantes são o mal a ser extirpado para que a “sociedade” capitalista siga sadia.
Mas o povo sabe que todo o sistema de exploração do homem pelo homem está mais do que apodrecido, e que as ofensivas de repressão desencadeadas contra as massas são espasmos de um velho Estado semicolonial em decomposição. A bem da verdade, aquela machete de ano novo de O Globo, baseada em invencionices sobre uma suposta conciliação de classes, evidencia que as elites estão apavoradas com a crescente revolta do povo, com as rebeliões se avolumando, com o ânimo revolucionário que pode ser observado nas cidades e no campo de um país farto das suas elites sanguessugas que festejam sua fartura obtida a custa do suor das massas.
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