segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Violência no Rio e tráfico como justificativa para execuções em massa

Os Estado brasileiro tenta legitimar as últimas ofensivas de guerra nos morros cariocas através da justificativa de combate ao tráfico de drogas. As autoridades dizem que o grande mal que assola o Rio de Janeiro é o alto índice de violência, roubos, assaltos e que tudo isso ocorre por causa do tráfico.

Os monopólios de imprensa, em uma demonstração de incondicional apoio a ação, tentam a todo custo levar a opinião pública a acreditar que jovens de 15, 16 anos ou recém-saídos da adolescência têm capacidade e logística suficiente para levarem as drogas sozinhos até as favelas, se abastecerem sozinhos com armas de uso exclusivo das forças armadas, enfim organizarem todo o tráfico.



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O que nenhum jornal da grande mídia explica é como o tráfico realmente se organiza e quem ocupa os diversos postos hierárquicos neste criminoso processo. As drogas não caem de pará-quedas nas mãos dos pequenos traficantes que estão nas favelas.


Para entender quem são os maiores beneficiados com tráfico de drogas é necessário retomar o contexto da entrada das drogas mais pesadas no Brasil. Elas começaram a se popularizar em meados da década de 70, momento de crise política nos Estados Unidos da América. Nessa década o Estado dos EUA lutava contra os movimentos civis e os guerrilheiros do movimento negro, essa guerra já durava anos no território americano e eles não viam saída. A forma que eles encontraram para neutralizar principalmente os negros foi introduzir drogas pesadas nos guetos. Os jovens de 15, 16, 17 anos que se tornavam viciados não participavam das lutas pelos direitos civis, já que estavam “ocupados” roubando pra se drogarem. Assim, depois de cerca de uma década de injeção de drogas pesadas nos guetos dos diversos rincões dos EUA, um dos motivos que levou a extinção dos grupos guerrilheiros foi a falta de integrantes para recompor as baixas.


Hoje, podemos verificar nos anais da história e da literatura que os “donos” do tráfico eram grandes industriais que estavam ligados à CIA. Inclusive, autoridades dos EUA ligadas ao combate aos guerrilheiros estão sendo processadas hoje por utilização de métodos ilegais na repressão contra os insurgentes.


Além de terem verificado que as drogas eram um ótimo neutralizador político (“a política de um drogado não é a mesma de alguém são”), viram também que era um negócio muito lucrativo. Desde então, passaram a “exportá-las” para toda a América latina.


Desde o surgimento das favelas (que surgiram porque o Estado expulsou as famílias pobres das áreas “nobres” da cidade), o Estado brasileiro previu que elas poderiam se tornar um grande problema político, já que concentram um grande número de pessoas em subempregos, desempregadas e etc. Logo perceberam que não haveria nada melhor que as drogas para neutralizar as favelas...


É muito difícil pra qualquer jornalista ou investigador, por mais honesto e compromissado que ele seja, descobrir o caminho EXATO que as drogas percorrem até chegar nas mãos dos PEQUENOS traficantes, mas é possível deduzir, ligando um fato a outro. Uma coisa é fato verificado e corriqueiro, a droga chega até a mão do pequeno traficante principalmente pelas mãos da própria polícia, os quais, criando o artifício de inverter o valor semântico da palavra “exceção”, a mídia nomeia de “exceção na corporação”. E certamente antes de chegar na mão do soldado, passou também pela mão de um capitão e assim vai, já que a polícia trabalha rigorosamente pautada no respeito à hierarquia e que, assim sendo, todas as ações de inferiores são conhecidas por algum superior.... É de conhecimento comum dos moradores das comunidades que nas favelas controladas pelas milícias o tráfico também existe e que é dirigido pelos próprio milicianos (policiais, ex-policiais e militares de diferentes organizações).


A lógica do tráfico nas grandes penitenciárias brasileiras, respeitadas as proporções, é igual a lógica nas favelas. A maioria dos presidiários, ou pessoas que conhecem de perto o sistema penitenciário sabe que “os homi” deixaram a droga “passar”, mas nunca ninguém jamais saberá quem foram “os homi”, menos ainda pronunciará qualquer nome sob pena certeira de perder a vida. E isso não ocorre porque existem ovelhas podres no sistema, mas sim pelo motivo explicado por um dito popular na prisão, repetido por todos que trabalham no sistema: “sem droga a cadeia vira”. E de vez em quando, para mostrar trabalho, ocorrem revistas nas celas. Nesse processo drogas são apreendidas obviamente, mas este é apenas o pretexto pois, o real objetivo nestas operações é executar presos, muitas vezes tais fatos nada mais são que queima de arquivos. Nas favelas ocorre o mesmo, imagine hoje a situação do Rio de Janeiro, para não dizer do Brasil, se todas aquelas pessoas arrasadas pela miséria gozassem de consciência política? Sem o tráfico, qual justificativa teria o mínimo de respaldo pela opinião pública para a militarização dos morros? Que acusação poderia ser forjada para justificar a execução de dezenas de jovens nas comunidades?


O massacre empreendido por essas ações no Rio não pretende de forma alguma erradicar o tráfico de drogas. Ao contrário, o que ocorre é apenas uma redefinição dos grupos que monopolizaram o tráfico e dos locais onde ocorrerá o tráfico. Um dos interesses é diminuir a disputa armada pelo monopólio nas áreas da zona sul da cidade, preparando a cidade para as olimpíadas[1].


Além disso, assim como ocorre nas penitenciárias, esses momentos conturbados são um ótimo período para que o tráfico inflacione o preço das drogas, aumentando assim o lucro dos grupos que conseguem sobreviver.


Essa lógica cruel e os constantes casos de envolvimento no tráfico de políticos e grandes empresários brasileiros e estrangeiros, que as vezes escapa na mídia, nos levam a entender os caminhos percorridos pela droga até que ela chegue nas mãos dos traficantes varejistas. Antes de chegar nas mãos dos pequenos traficantes, ela passou pela mão de grandes políticos e/ou empresários. Quando distribuídas, caem nas mãos de diferentes grupos nas comunidades. Acontece que como o tráfico é um negócio sujo por excelência, os grupos do tráfico lançam mão da “guerra” pra monopolizarem a venda.

Ou seja, enquanto muitos desses traficantes de alto escalão estão em festinhas executivas confraternizando juntos, eles têm vários “representantes” seus nas favelas brigando entre si. De quando em quando, estoura um ou outro escândalo na mídia envolvendo empresários ou políticos no tráfico. Para evitar que apareçam mais escândalos eles queimam arquivos, controlam parte da imprensa e etc.


Enquanto jovens perdem suas vidas para o consumo de drogas e o Estado não coloca em prática nenhuma política de saúde pública para tratar os dependentes químicos, a indústria da arma de fogo ganha milhões vendendo armas à polícia e indiretamente aos traficantes; o Estado ganha uma grande justificativa para executar os pobres nas comunidades, mostrar seu aparato de guerra e dizer indiretamente “veja o que somos capazes de fazer, não queiram nos desafiar”; os grandes e médios traficantes esbanjam dinheiro; os varejistas, envolvidos pela mesma ideologia dos grandes traficantes, ganham uma vida de “aventura”, admiração dos “mano” e alguns trocados suficientes para seu consumo de droga.



O objetivo das ações militares no Rio


Os traficantes tão falados pela maioria dos jornais não são nada mais que revendedores. Claro, são delinquentes, roubam, matam, cometem mil atrocidades que só pessoas muito degeneradas são capazes de fazer. Mas o grande problema é que o Estado não quer acabar com o tráfico. Ao contrário, ele usa a justificativa do tráfico pra executar a tão conhecida “limpeza social”, para diminuir o número de pobres. Basta olharmos as estatísticas. Segundo o próprio jornal “Estado de São Paulo”, a polícia matou 10.216 pessoas durante os últimos dez anos no Rio. Certamente eram 10.216 traficantes? Inclusive várias crianças que já nasceram traficando.


Quando a polícia sobe o morro, ela atira para matar, e ela atira em quem ela vê pela frente, quem duvida pode comprovar perguntando para os moradores das comunidades. E eles o fazem porque receberam ordens para isso, e ouviram inclusive “não se preocupem tem muitos jornais que vão convencer várias pessoas a defenderem vocês” e ainda fazem piada com a cara do povo: “no fim vocês ainda serão heróis”, aliás nem é necessário palavras tão claras, o que podemos esperar de uma polícia estimulada por músicas com letras como “homem de preto qual é sua missão? É invadir favela e deixar corpos no chão” (o BOPE é treinado ouvindo essas músicas). Embalados por esses ritmos, policiais em diversas partes do país expressam o conteúdo de suas mentes, moldadas por tais treinamentos, ao brincarem de tiro ao alvo quando passa um carro em uma via, ou ao humilharem e espancarem civis desarmados em abordagens. Mas claro, quando se atira em um juiz ou em um carro de alguém na zona sul do Rio, aí a polícia deve ser investigada, enquanto só morrem favelados, qual seria o problema, se ainda não era traficante um dia com certeza iria virar traficante.

Obviamente, a solução, se o Estado quisesse, já teria sido encontrada. Bastaria, prender os grandes traficantes, não precisa pensar muito, não precisaria de todo esse aparato de guerra, mas como exigir isso se muitas vezes os grandes traficantes são justamente autoridades que dirigem o Estado?


O resultado dessa política de estímulo de assassinatos pela polícia já mostrou seus resultados, caso do Juiz no rio, caso do casal em que o pai perdeu a mulher e o filho pequeno também no rio, assassinato de um estudante em blitz em Goiânia, assassinato de um garoto de 13 anos pela polícia em Goiânia e a lista é grande. E isso é o que podemos apontar claramente, porque quando se fala de morte dentro da favela, os monopólios de comunicação se apressam em gritar “ERA BANDIDO!”


Justiça é prender, julgar e punir. Mesmo quando a legislação prevê pena de morte é necessário um julgamento antes. A polícia não tem nenhuma legitimidade ou mesmo qualquer respaldo legal para julgar na rua e executar a sentença. Tal respaldo legal só existe quando o regime instaurado é claramente fascista. A polícia de Hitler tinha permissão na legalidade nazista para matar sem apurar qualquer fato, conhecer a classe social já era critério suficiente para uma execução. Assim, como podemos classificar a atual atuação da polícia brasileira?



[1] A guerra do Rio – A farsa e a geopolítica do crime. José Claudio S. Alves. Fonte: http://jornalanovademocracia.blogspot.com/2010/11/guerra


* Estudante de letras da Universidade Federal de Goiás.

Um comentário:

luana disse...

Gostei muito de tudo que vc escreveu!!!

Abaixo segue um desabafo meu que tinha escrito:
Que fique claro!!!
Não sou a favor dos traficantes.....
Não sou a favor de bandidos....
E que fique + claro ainda, de qqr tipo de bandido!!!! Esteja ele de que lado estiver!!!

Me preocupa....de que lado estamos colocando a “mão da justiça”!
Como dizia meu irmão: “Toda guerra é uma limpeza étnica e uma simples troca de poder”.

Não consegui ver nada de “magnífico” nisso tudo....só muita sujeira por trás.....
Me assunta!!!! E me entristece.

Todos aplaudem a bala até que ela não atinja um Seu querido e honesto!!!

Sim, chega de traficantes, ladrões e tudo mais....mas me pergunto e os Grandes? Os colarinhos Brancos?

O que esta ocorrendo no Rio e, consequentemente, no Brasil agora:
- Uma simples troca de poder dos escalões de “frente”.....Só para adequar os índices de crimes para os eventos esportivos futuros e colocar escalões de “frente” mais adequados com as políticas financeiras e “de mínima ordem” necessária.....
- E....só para aproveitar a ocasião...uma limpeza social (dos pobres...meu pai e minha mãe nasceram pobres...e não viraram traficantes nem ladrões...muito pelo contrário...se eles tivessem sido mortos em uma destas “limpezas” eu não estaria aqui).....

Será que tudo isso justifica....se na essência NADA VAI MUDAR?!?!?!

Mata um hoje (se for ladrão ou traficante mesmo)....tem dez amanhã para o lugar...isso já esta comprovado pela nossa história recente (de 70 para cá)....

Cadê a vontade política e social (da sociedade mesmo) de querer resolver este problema de vez?
Isso tudo, ao meu modo de ver, só se resolve, entre outras muitas coisas, com educação e uma política social Real...além de, é claro, MATAR os principais beneficiários destes sistema....que por sinal...são os donos do Sistema....quem se atreve?!?!...

Os “donos do morro” não são nada perto dos donos do Sistema!!!